sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Jornais publicam foto falsa do Haiti enviada por agências

Valmar Hupsel Filho

Foto publicada ontem em A TARDE e em incontáveis jornais e sites do Brasil e do mundo para ilustrar a matéria sobre o terremoto ocorrido na última terça-feira no Haiti é falsa. A imagem, na verdade, registra um sismo ocorrido em maio de 2008, na China. O material fotográfico foi distribuído pelas agências de notícias Agence France-Presse (AFP) e EFE e reproduzidas em meios de comunicação em diversos países.

O autor da descoberta da fraude foi o jornalista Marcelo Rech, diretor da RBS – rede de comunicação gaúcha responsável pela edição do jornal Zero Hora, que publicou a fotografia na página 3 da edição de ontem. “Desconfiei da imagem e lembrei que tinha visto a mesma foto no Dailly Telegraph, em janeiro, numa matéria sobre o terremoto na China. Coloquei ‘Earthquake (terremoto) China’ no google imagens e estava lá”, disse.

Rech conta que até ontem à noite diversos veículos, a exemplo dos respeitáveis Washington Post e Daily News, não haviam percebido o equívoco. Além de A TARDE, inúmeros jornais estamparam a foto na capa da edição de ontem, como o Diário do Comercio (SP), Hoje em Dia (MG), Diário de Natal (PB), Ottawa Citizen (Canadá), El Mercurio (principal jornal do Chile). Outros publicaram a mesma foto com destaque em páginas internas, como Correio (BA) e Extra (RJ).

Equívoco - A responsável pelo setor comercial da agência de notícias AFP, Magali Gonzalez, reconheceu que houve erro no envio da fotografia. Depois de entrar em contato com o escritório da AFP para a America Latina, em Montevidéu (Argentina), Gonzalez disse que a imagem foi disparada para diversos meios de comunicação com a legenda informando que ela foi capturada do site de mensagens instantâneas Twitter e foi cadastrada como sendo “supostamente” do terremoto ocorrido em Porto Príncipe, capital do Haiti. A TARDE fez download da imagem às 15h49 de quarta-feira.

A foto tinha uma legenda, em inglês, que, traduzida para o português, informava: “ imagem obtida através do Twitter supostamente mostra construções destruídas em 12 de janeiro de 2010 em Port-au-Prince, depois que um enorme terremoto medindo 7,0 abalou a empobrecida nação caribenha de Haiti, derrubou prédios, causando danos generalizados e pânico em funcionários e testemunhas da AFP. “O problema é que ninguém lê legenda de foto. Ainda mais em inglês”, justifica Gonzalez.

Já o delegado da agência de notícias EFE no Brasil, Jaime Ortega, informou que o primeiro fotógrafo chegou ao Haiti às 15 horas (horário de Brasília) de quarta-feira. Segundo ele, no período entre as 19h50 de terça-feira, quando aconteceu o terremoto, e as 15 horas de quarta, a agência retransmitiu fotos do site local www.radioteleginenhaiti.com. Na página inicial deste site consta uma mensagem, em inglês, em que o seus responsáveis não se responsabilizam pelas imagens porque estava recebendo fotos do mundo inteiro. Apesar do alerta, a agência distribuiu a fotografia do terremoto na China como se fosse o do Haiti para meios de comunicação de diversos continentes.

Ortega informou que a EFE recebeu a imagem falsa às 0h55 de quarta, e que, às 8h44 da manhã do mesmo dia, recebeu aviso de que a imagem em questão estava anulada. Não houve anulação do despacho. A TARDE, por exemplo, baixou imagem da EFE, às 16h09, sem que a agência tenha feito qualquer aviso de anulação. Na legenda da fotografia havia indicação de que o site www..radioteleginenhaiti.com seria a fonte. “Não sabemos ainda como a foto foi parar lá, mas pode ter sido um hacker que colocou a imagem na página”, disse Jaime Ortega.

Imediato - O PhD em Sociologia e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, Marcos Palácios, analisa que este caso demonstra “a dupla face” da tecnologia. “Hoje, há uma quantidade enorme de informação circulando, mas muitas vezes não se sabe a procedência delas, o que acaba criando este tipo de ruído”, disse. Ele ressalta que casos como este reforçam a necessidade da presença do jornalista no trato com a informação, para checar a veracidade.

“Este é um reflexo da cultura do tempo imediato, onde a matéria tem que estar publicada quase no instante em que o fato está acontecendo”, avalia o doutor em comunicação e professor de fotografia da faculdade de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Afonso Júnior. “A velocidade é o valor-notícia, muitas vezes mais valorizada que a informação bem apurada”.

De acordo com o estudioso, o avanço da tecnologia em telefones celulares permitiu que qualquer pessoa tenha uma câmera fotográfica no bolso. Mas, contraditoriamente, apura-se pouco a procedência das informações, mesmo com toda a facilidade oferecida pela tecnologia”, comenta Afonso Júnior.

“Manipulação de imagens existe desde que existe a fotografia”, afirmou o pesquisador pernambucano. Ele lembra de casos recentes, como as primeiras informações sobre o acidente com o Boeing da TAM, no final de 2007. Na ocasião, o site UOL chegou a publicar uma foto em que era mostrada uma pessoa pulando do avião. Mais tarde verificou-se que a imagem era manipulada.

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