domingo, 8 de fevereiro de 2009

Flora (17/03/2007)

Flora não ria, não comia e
nem deixava que lhe tocassem para trocar a roupa
Os trapos cobriam seu corpo
desde o dia em que perdera
seus olhos azuis.
A distância das águas geladas
lhe tirou o calor do corpo
e encheu de mágoa o
mar que insistia em brotar
dos seus olhos castanhos, de um mel que perdera o doce do olhar.

Perdera a audição. Renunciara
a ouvir sons, tons, melodias
A escala da pauta musical
era como um calvário, uma dor que crescia junto com o dó.

E as cores do mundo desbotaram.

Ela não se permitia nenhum toque.
Queria guardar no corpo e buscar nas lembranças
o calor dos dedos, o cheiro da pele, o ir e vir dentro de suas cavidades
O amor que lhe escapara.

Perdeu o viço, murchava de dentro pra fora.

E num dia de quase tempestade, se arrastou até o cais
e sentiu o vento que vinha do mar
e teve a ilusao de tê-lo mais uma vez dentro dela.

E as lágrimas secaram.

E não se permitiu mergulhar nas águas geladas que
guardavam seus negros olhos azuis.

Seu corpo foi se despetalando aos poucos
e ela dormiu, tendo a tristeza como sua única
companheira da última viagem.

5h16
17 de março, Cartagena, Colômbia


P.S - Escrevi "José" (abaixo) e minha mulher, Angelina, resolveu escrever "Flora", mostrando o que seria o outro lado de um grande amor que sofre mais do que se consome

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