terça-feira, 10 de março de 2009

A viagem de Catarina
(abril 2004)

Ao tirar o pó da estante, Catarina acabou fazendo um passeio por sua vida. Ao folhear História do cerco de Lisboa, de José Saramago , deu de cara com a primeira dedicatória que a transportou para o passado. “Espero que o lirismo do livro a acompanhe para sempre. Judith”. Judith Marques era uma antiga amiga de colégio. Elas romperam depois que Catarina começou a namorar seu atual marido e a ex-amiga criticou-a por ter um caso com um homem casado. Logo Judith, que mantinha há dez anos uma relacionamento com Antão, jornalista, comprometido, pai de três filhos.

Fechou o livro e passou para A vida de Joana D’Arc, de Érico Veríssimo. Voltou um pouco mais no tempo. Era adolescente e resolveu colecionar a obra do escritor gaúcho. Sonhava em ser uma heroína e liderar um revolução. Não leu o livro, que ainda tinha páginas grudadas.

“Nenhum som me importa / afora o som do teu nome que eu adoro./ E não me lançarei no abismo,/ e não beberei veneno,/ e não poderei apertar na têmpora o gatilho/ Afora/ o teu olhar/ nenhuma lâmina me atrai com seu brilho (...)”. Os versos de Lílitchka! , de Maiakóvski, como dedicatória da antologia de poemas russos fazem-na lembrar de Augusto, o primeiro namorado. Com ele, 20 anos mais velho, aprendeu muita coisa: transar ouvindo música clássica, fazer fricassê de carne, estudar ciências esotéricas. Mas também teve dor, muita dor, quando ele a trocou por uma de suas alunas. Prometeu não amar mais ninguém.

Promessa quebrada muitas vezes. Uma delas registrada nas páginas iniciais de Griffin e Sabine, de Nick Bantock. “É um livro mágico”, relembrou ao ler a história de amor e da troca de correspondência entre o inglês Griffin Moss e uma amiga imaginária, Sabine Strohem, artista plástica que viveria numa ilha do Pacífico. Foi um dos primeiros presentes que Catarina recebeu de Saulo, seu atual marido, que agora roncava diante da televisão.

Romances, poesias, livros de mistérios, a coleção de ficção científica do Arquivo X , de Chris Carter, marcaram sua vida. Lembrou que leu Emma, de Jane Austen, em sua viagem a Paris. E chorou quando encontrou o surrado livro de fábulas com capa de pano, utilizado por seu pai como um tranqüilizante poderoso que a colocava para dormir.

Viajou pelas prateleiras da estante e pelo passado até baixar a poeira. Pensou que deveria vasculhar mais vezes os livros e, quem sabe, reler alguns, mas o choro do filho mais novo cortou seu pensamento.

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