segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Reflexões sobre uma manchete

Bandidos armados barram repórter. A manchete de hoje (21/9) de A TARDE me deixou intrigado. Isso é manchete? Perguntei-me assim que li. Sou carioca, trabalhei a maior parte de minha vida nos jornais do Rio, onde fatos como esse são corriqueiros e não são publicados.

No Rio, repórter só é notícia quando é torturado ou morto pelos bandidos. Casos como o de Tim Lopes e de Nilton Claudino e a equipe de O DIA é que rendem páginas e mais páginas até que os bandidos sejam presos.

No decorrer da cobertura, porém, não se discute a responsabilidade das chefias, a imprudência dos profissionais, a falta de esquemas para proteção dos jornalistas e outras questões.

Conflitos nos bastidores são empecilhos para que se investigue a fundo, do ponto de vista jornalístico, a morte desses profissionais. Por que até hoje não foi escrito nenhum livro sobre o caso Tim? Por que a morte do fotógrafo Anibal Philot, de O Globo, não teve o mesmo destaque? Por que O Dia prefere proteger seus repórteres por conta própria em vez de mandá-los para o exterior em programas de proteção mais eficientes, bancados por instituições internacionais?

Voltando ao título principal da primeira página de A Tarde, como disse, estranhei no início. Até porque o jornal tinha uma boa alternativa para a manchete, matéria sobre o patrocínio de um site de jogatina inglês (sportingbet.com) a jogos da Série B, do Brasileirão.

Ao tentar encontrar argumentos para justificar a opção, reli a matéria. Ela conta que uma equipe do jornal, ao tentar reportar um incêndio na comunidade do Areal, no bairro de Santa Cruz, em Salvador, foi abordada por seis jovens que portavam pistolas. Diante de vários moradores, os bandidos bateram com pistolas nas janelas do carro de reportagem e ameaçaram atirar, caso os jornalistas Flávio Costa, Fernando Amorim e o motorista não fossem embora.

Ora, o fato ocorreu nove dias depois do fim da série de ataques a postos policiais e ônibus, iniciada no dia 7 de setembro, devido à transferência de um traficante para o presídio de segurança máxima de Mato Grosso do Sul. Aconteceu também numa área dominada por traficantes, o que o secretário de segurança pública, César Nunes, nega existir. Pergunto-me: esses dados justificam a manchete ou servem apenas para investirmos numa matéria mais ampla sobre os domínios do tráfico, em Salvador, que muda a imagem de terra dócil e pacífica, prejudica o turismo, afasta investimentos e desmonta a eficiência do aparato policial?

Me rendi à matéria – mas condeno a formulação da manchete pela fragilidade de sua estrutura– por um detalhe: a equipe prestou queixa na delegacia. Nessa atitude simples e cidadã, que os jornais e jornalistas do Rio não tiveram a coragem de tomar, quando o tráfico passou a expulsá-los em vez de convidá-los para festas regadas a churrasco e drogas, está a grande virtude do trabalho de meus colegas. O procedimento adotado deve virar uma norma para os jornais de todo o país para exigir a melhoria do trabalho policial e a garantia da segurança à população, mesmo quando não há heróis nem mortos.

Quem aprendeu na faculdade que jornalista não é notícia tem que reformular o conceito. O jornalista é notícia, sim, assim como todo cidadão que tem seus direitos violados.

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