quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Não é para ter raiva?

Nos anos 80 não havia um estudante de jornalismo, com tendência para o impresso, que não desejasse trabalhar no Jornal do Brasil. Concretizei esse sonho em maio de 1985, quando Dácio Malta, editor de Cidade, aceitou-me em sua equipe. Minha primeira missão consistia em fazer rondas pelas delegacias cariocas, registrando estelionatos, assaltos e assassinatos. O resultado da apuração era publicado diariamente com o propósito de mostrar que os índices de violência, na metade do primeiro governo Leonel Brizola, cresciam absurdamente. O trabalho inicial não era a melhor coisa do mundo, mas conviver numa redação com muitos dos principais jornalistas do país era o máximo.


No dia 31 de agosto de 2010 quando o jornal deixou de circular no formato impresso e migrou para a versão digital me senti distante dos colegas saudosistas que participaram do Dia do Afeto ao JB, no centro do Rio, ou daqueles que criaram blogs nostálgicos. O que senti foi raiva. Raiva da família Brito e de Nelson Tanure, o empresário baiano que comprou o direito de explorar a marca de jornal mais importante dos últimos 119 anos. Também me ocorreu uma pergunta. Por que nenhum dos responsáveis por afogar o jornal em dívidas fiscais e trabalhistas foi punido?

Lendo o blog de Jorge Antônio Barros, subeditor de Cidade de O Globo e meu contemporâneo na pomposa redação da Avenida Brasil, 500, encontrei números aterradores. Ele escreve que “não foi surpresa quando, em 1995, o Banco Nacional quebrou, e ninguém noticiou que o JB, só a esta instituição devia cerca de 50 milhões de dólares (...). Pouco depois, quebraria o Banco Econômico, e de novo lá estava o JB na lista dos maiores devedores, algo em torno de 10 milhões de dólares”.

Jorge acrescenta:“na virada dos anos 80 para os anos 90 afloraram as grandes crises financeiras no JB, os primeiros atrasos no pagamento de salários. Os bancos, que antes premiavam erros administrativos da empresa mediante sucessivos empréstimos, fecharam a porta para a família Brito. A circulação começou a cair vertiginosamente”.

Voltando ao dia 1º de maio de 1985, quando peguei minha carteira de trabalho assinada como “repórter III” lembro-me que estava radiante de felicidade. Afinal, passaria a conviver numa redação com jornalistas como José Gonçalves Fontes, chefe de reportagem que nos anos 60 se transformara em verbete da enciclopédia Delta-Larousse por denunciar fraude nas eleições da Guanabara e, a partir de então, acumulara prêmios como o Esso e o Maria Moors Cabot, conferido pela Universidade de Columbia. Nesta época, só a editoria de Cidade tinha 70 jornalistas, incluindo seis copidesques rigorosos que transformavam textos em obras-primas, com a paciência de explicar as mudanças para os mais jovens. O mesmo valia para o melhor pauteiro do país, Luciano de Moraes, que me ensinou a função.

A convivência com essa turma me transformou num jornalista obcecado pela apuração e pouco afeito a elogios. Fontes não cansava decontar como era difícil assinar uma matéria quando ele era repórter, pois o JB exigia texto perfeito, criatividade, boa apuração e relevância para dar ao jornalista o direito de colocar o nome nas páginas mais respeitadas da imprensa brasileira. Quem assinava matéria pagava uma chopada.

Saí do JB em setembro de 1987 para trabalhar em O Dia. Voltei pouco mais de 12 anos depois em fevereiro de 2000. Não encontrei mais a frota de Opalas Comodoros da mais cara empresa de táxi especiais do Rio, que durante um período serviu ao jornal – um exemplo dos muitos desperdícios e contratos questionáveis. Lembro que a largura dos veículos até então exclusivos dos aeroportos era maior do que as vielas das favelas, onde fazíamos matérias sobre o avanço do poderio do tráfico.

Da antiga geração, restavam poucos, a maioria já havia se transferido para O Globo. As equipes eram inexperientes e o prédio cheirava a esgoto, pois a tubulação não tinha manutenção. Salários atrasavam e os telefones chegaram a ser cortados. As greves de apoio aos colegas de outros jornais, realizadas em décadas anteriores, viraram protestos pelo básico: pagamento em dia e depósito do Fundo de Garantia. Fui demitido por fazer parte do comitê que fazia as reivindicações no mesmo dia em que saiu Marcos de Castro, redator que por seus conhecimentos participou da elaboração do Dicionário Aurélio. De lá para cá, a redação mingou. Tanure, ao contrário do prometido, investiu pouco e mal. Enterrou o jornal de papel e ainda faz marketing que investe no futuro, pagando pouco a meia-dúzia de profissionais terceirizados.